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Intelectuais odeiam escolas militares, mas o povo adora. Por quê?
Se há algo que me deixa absolutamente fascinado é o abismo que existe entre os intelectuais brasileiros que dizem defender os interesses do povo… e aquilo que o povo (certo ou errado) realmente quer, pensa, almeja.
E poucas coisas manifestam mais esse completo descasamento do que a posição dos dois grupos com relação às escolas militares ou cívico-militares.
Qualquer um que já tenha posto os pés numa universidade pública sabe que boa parte dos intelectuais tem absoluto desprezo contra a mera cogitação de existência de tais escolas. Os que não nutrem tal desprezo simplesmente nem falam do assunto.
Já entre o povo, a esmagadora maioria é a favor. Mesmo entre eleitores de esquerda, a aprovação ao modelo é de, pelo menos, 61%, segundo uma pesquisa.
Curiosamente, a reportagem do link acima não cita qual é o percentual de apoio entre o restante da população, mas alguém tem alguma dúvida de que a aprovação é ainda maior entre os demais brasileiros?
Na verdade, vou contar um segredo para vocês:
Os professores da educação básica e os alunos de licenciatura também são majoritariamente a favor de tais escolas, mesmo quando passam toda a graduação repetindo os xingamentos feitos dentro da academia contra elas.
Na hora em que se abre um concurso para uma escola do Exército, para uma escola da Polícia Militar ou para escola cívico-militar, os graduados em licenciatura correm para se inscrever.
As escolas com algum tipo de perfil militar “não prestam”, mas todos preferem ensinar nelas do que nas escolas normais.
E não se enganem: não é apenas pelo salário e estabilidade.
É que professor não gosta de apanhar de aluno — nem de pai de aluno.
Nem tentam entender
Algo que me deixa abismado é que os intelectuais contrários às escolas militares sequer tentam entender por que a maior parte do povo gosta tanto delas.
Eles se dizem defensores do povo, mas raramente fazem o esforço intelectual de se colocar no lugar desse mesmo povo, para entender o motivo desse apoio. Para entender esse mesmo povo, quando ele discorda de quaisquer posições iluminadas dos intelectuais.
Ao contrário, boa parte dos professores universitários, jornalistas e artistas parte do pressuposto de que já sabe de antemão a explicação para qualquer discordância. E a explicação costuma ser a pior possível:
— “É que o povo é estúpido!”, é o que eles pensam, mesmo quando não falam.
O “povinho ignorante” simplesmente precisa ser reeducado para pensar exatamente como os intelectuais.
Afinal, as únicas pessoas inteligentes na face da Terra — as únicas com uma opinião válida sobre a vida, o universo e tudo mais — são elas mesmas: os jornalistas, os artistas, os professores universitários. Se o povo não pensa como eles, é por burrice.
Ou:
— “É tudo faççiçmo / extremismo / autoritarismo!”, é o que eles repetem.
É o xingamento fácil que eles usam para evitar ter que tentar entender o problema e aplacar a própria consciência diante do fato de que o povo que eles dizem defender quer algo completamente diferente.
Por que o povo ama as escolas militares?
Na verdade, existe uma explicação muito mais realista para o apoio popular às escolas cívico-militares.
E não é burrice.
Nem “faççiçmo”.
Nem extremismo.
Não é sequer um grande apreço pelo militarismo em si.
As pessoas — especialmente os mais pobres — simplesmente querem o mínimo de disciplina e ordem que qualquer escola normal, militar ou não-militar, precisa ter.
A população sente que, na maioria das escolas normais, essa disciplina, essa ordem, essa exigência de esforço próprio já se perdeu completamente.
As escolas militares ou cívico-militares aparecem para a maioria da população como as últimas representantes dessas condições mínimas de organização e disciplina que qualquer escola, qualquer sala de aula com dezenas de alunos, precisaria ter para funcionar.
E os novos professores também sentem receio e preocupação com essa falta de disciplina em sala de aula. A cada dia que passa, o professor tem mais e mais responsabilidades e menos e menos poderes sobre a turma, ao ponto de muitas vezes se sentir acuado para executar minimamente bem o seu trabalho.
Mas as escolas militares são realmente melhores?
Isso não significa que as escolas militares sejam intrinsecamente melhores do que as civis.
Significa apenas que, com organização e disciplina, elas removem uma das diversas dificuldades à realização da educação.
Há diversas coisas a mais que uma escola precisa atender para sabermos se ela promove uma boa educação. É possível haver um ambiente educacional mais bem organizado nas escolas cívico-militares, mas ainda assim o conteúdo ensinado ser tão limitador e emburrecedor quanto em qualquer outra escola civil.
Se o projeto de ensino adotado na escola brasileira já for intrinsecamente ruim, adianta muito pouco termos apenas um ambiente mais eficiente e calmo para a execução desse projeto.
Eu sou a favor da existência de escolas cívico-militares, não porque o modelo seja intrinsecamente superior a qualquer outro, mas porque os professores da educação básica precisam recuperar o mínimo de autoridade necessária para ensinar melhor.
Além disso, o Brasil precisa do maior número possível de experiências educacionais bem diferentes entre si, que possam se adequar a diferentes tipos de públicos e alunos.
A diversidade de modelos disponíveis sempre será melhor do que um único modelo, decidido de cima para baixo, em Brasília.
Mas isso já é assunto para outra Carta Linguística.
Uma curiosidade linguística
Na maioria das línguas, o verbo no imperativo é morfologicamente mais pobre do que em qualquer outro modo. Não tem morfemas de tempo ou de modo e muitas vezes nem de pessoa ou número.
A gramática tradicional do português, por exemplo, reconhece distinções de pessoa e número (“canta tu!”, “cante você!”, “cantai vós!”…) no imperativo, mas não de tempo.
Mas há línguas em que o verbo imperativo tem distinções temporais de presente e futuro. O próprio latim tinha essa distinção. A forma “ama!” era para um imperativo presente singular; a forma “amato!” era um imperativo futuro singular.
Na língua indígena norte-americana cheyenne, a forma verbal “méseestse” é o verbo comer no imperativo presente, significando algo como “coma (agora)!”. Já a forma verbal “méseheo’o” é um imperativo futuro, que pode ser traduzido como “coma (mais tarde)!”.
Um livro recomendado:
Um vídeo do meu canal:
Outros materiais:
Amazon: Livros que traduzidos por mim.
PDFs de acesso livre no Patreon “Linguística”:
Roteiros sobre Sintaxe básica: verbos e argumentos.
Para membros do canal do Youtube:
Carta linguística. 10 de março, anno Domini 2025. Edição 10.
Como citar este texto:
CAVALCANTE, Rerisson. Intelectuais odeiam escolas militares, mas o povo adora. Por quê? Carta Linguística, v. 10, Salvador, 10 de março de 2025. Disponível em: [ https://cartalinguistica.substack.com/p/intelectuais-povo-escolas-militares]. Acesso em XX mês 20XX.
Não faz muito tempo que ingressei na área educacional para dar aula; mais ou menos uns cinco anos e me deixa indignada a falta de respeito que a grande maioria dos alunos (e pais de alunos) demonstra com o educador. Infelizmente (ou felizmente), quem permanece na profissão é por puro amor e por acreditar na educação mesmo, pois acredito que um dos maiores desafios seja lidar com a falta de respeito que encontramos nas escolas para com o nosso trabalho (independente de ser uma escola pública ou de ensino privado). Sou a favor de escolas militares pelo mesmo motivo que o senhor citou: queremos garantir pelos menos o mínimo de respeito e ter um desafio a menos para enfrentar (e esse é um dos maiores!).
Para ser honesta, sou um pouco "medieval" e antiquada nas metodologias de ensino. Acredito na lousa e no giz e um caderno, somados à tecnologia. O que me entristece é ver que hoje temos de nos desdobrar, fazer malabarismos e nos adequar à metodologias que muitas vezes não acreditamos ou não gostamos e ainda assim, ser desrespeitados por pais e alunos. Não tenho experiência na área acadêmica, mas se o grau de desrespeito com os professores for o mesmo encontrado nos anos de educação infantil (mais por parte dos pais), ensino fundamental e ensino médio... As coisas realmente se tornaram péssimas e o futuro é desanimador...